O corte salarial no topo do poder, porém, é meramente simbólico num governo onde os gastos são crescentes.
O caso da Presidência da República é exemplar. Na última década, se tornou um agrupamento burocrático de dezenas de organismos, fundos e secretarias extraordinárias. Gastou R$ 9,3 bilhões no ano passado —210% mais que em 2005, já descontada a inflação do período.
É um volume de dinheiro quase três vezes maior, por exemplo, que o gasto anual do Estado do Rio na manutenção da rede pública de saúde, com 60 hospitais (1.050 leitos de UTI).
Ano passado, as despesas do núcleo administrativo diretamente vinculado a Dilma somaram R$ 747,6 milhões, recorde no primeiro mandato.
Pouco mais da metade disso (R$ 390,3 milhões) foi usado para pagar assessoria e serviços prestados à presidente nos palácios onde trabalha e reside e durante as viagens, segundo dados da Secretaria de Administração da Presidência disponíveis no Portal da Transparência, do governo federal.
Dilma já custa para os brasileiros praticamente o dobro do que a rainha Elizabeth II e a família real para os súditos britânicos. A monarquia consumiu, em 2014, o equivalente a R$ 196,3 milhões, segundo relatório anual da Casa Real, tendo-se como referência a cotação da moeda (libra) no fim de agosto.
Numa comparação republicana, o custeio do gabinete de Dilma equivale a 60% do escritório de Barack Obama. O presidente dos Estados Unidos gastou R$ 648 milhões com serviços na Casa Branca e na residência oficial, segundo relatório sobre a execução orçamentária no último ano.
Em Washington, como em Brasília, parte das despesas presidenciais acaba dissimulada no orçamento. A diferença fica por conta da credibilidade sobre as contas dos dois governos e a eficácia do controle público.
Nos EUA, Congresso e organizações sociais mantêm ativa fiscalização. No Brasil, sobra desconfiança, e o controle é rarefeito. “Aqui, além da pouca transparência, o excesso de truques e maquiagens fez crescer em progressão geométrica o descrédito nas contas governamentais”, diz Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas.
Em Brasília, a rotina de Dilma fica circunscrita a um raio de 15 quilômetros: trabalha no Palácio do Planalto, mora no Alvorada e passa fins de semana na Granja do Torto, uma casa de campo.
Logo cedo, a presidente passeia nos jardins do Alvorada, à margem do Lago Paranoá, entre araucárias e sibipurunas plantadas por Yoichi Aikawa, jardineiro do imperador japonês Hirohito, que doou o projeto paisagístico há mais de meio século.
Caminha sobre um tapete vegetal três vezes maior que o Maracanã, com sutil variação de tons de verde derivada das gramas Esmeralda (Zoysia japonica), Batatais (Paspalum notatum) e São Carlos (Axonupus compressus). A irrigação e a jardinagem consomem R$ 4 milhões anuais.
Os prédios da Presidência abrigam multidões de servidores públicos, assessores contratados e a mão de obra alugada de secretárias, telefonistas, vigilantes, faxineiros e garçons, entre outros. Os serviços de manutenção somam R$ 220 milhões por ano.
Vigilância e limpeza custam R$ 5,7 milhões anuais. Nas portarias, há um batalhão de vigias. Representam uma fração (R$ 1,5 milhão) de uma das maiores despesas do setor público: R$ 3 bilhões ao ano em policiamento privado, com elevada concentração em quatro grupos (Confederal, TBI, Albatroz e Santa Helena Vigilância).
Ano passado, esse tipo de gasto superou os investimentos realizados por um conjunto de 33 órgãos, incluídos os ministérios do Esporte, das Comunicações e da Cultura.
Há despesas mais prosaicas, como R$ 9,7 mil para quatro camareiras que lavam as roupas do vice-presidente Michel Temer, sob compromisso de “sigilo de informações”. E R$ 7,8 mil para tratamento semanal da piscina do Palácio do Jaburu, onde Temer mora.
Recorrentes mudanças administrativas, produto da instabilidade nas relações da presidente com aliados, levaram à contratação permanente (por R$ 1milhão por ano) de empresa especializada na montagem e desmontagem de paredes divisórias no Planalto.
Cada despesa nova leva uma justificativa pomposa. Exemplo: os R$ 39 mil pagos para encerar o piso de mármore do Planalto têm “o objetivo de manter a nobreza dos ambientes por onde circulam autoridades”, diz o contrato.
O esmero burocrático se reflete na mesa do poder, com espaço para opções individuais, como a escolha do chefe de cozinha. Nem sempre dá certo.
No governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, um sargento da Marinha foi enviado a Paris com a missão de aprender a cozinhar. Voltou, agradeceu e partiu para a aventura de um negócio próprio.
Nas 28 copas, a prestação de serviços custa R$ 7,4 milhões. Por elas circulam 88 garçons, sempre em camisa branca, calça, paletó de dois botões e cinco bolsos, gravata-borboleta e sapatos pretos.
Há 58 copeiras em calças sem pregas, blusa de mangas três-quartos, em microcrepon (do tipo anarruga), sob avental xadrez preto e branco, com viés nas laterais. Os uniformes são exigência contratual.
A intensidade do movimento entre copa e cozinha varia conforme a predileção do governante por festas e homenagens. O governo Dilma foi de comemorações no primeiro mandato: gastou-se R$ 302,7 milhões, 40% mais que Lula em oito anos. Em 2014, foram R$ 77,3 milhões, média de R$ 213 mil por cada dia do calendário da reeleição.
Luxo e fartura ambientam as cozinhas dos palácios. Paga-se R$ 9 mil por banho restaurador dos utensílios em prata 925 (esterlina, com 92,5% de pureza). Os gastos com alimentação no Planalto somam R$ 16 milhões anuais.
Desse total, uma fatia de R$ 1,3 milhão fica reservada para prover a despensa, os cardápios sob encomenda e a adega da presidente, com capacidade para 2.000 garrafas. Quase tudo é mantido em segredo.
Aos curiosos, a presidência acena com um decreto (nº 7.724) assinado pela própria Dilma, em 2012, onde se lê: “As informações que puderem colocar em risco a segurança do presidente da República, vice-presidente e seus cônjuges e filhos ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.”
Como nem os donos de segredos de Estado conseguem guardá-los, sabe-se que um dos mais caros cardápios é mantido à margem da contabilidade rotineira de copa e cozinha palaciana: custa R$ 2 milhões anuais o serviço de comida a bordo do avião presidencial.
Já foi mais. Em 2006, Lula chegou a gastar R$ 3,7 milhões — mais que a conta dos cinco mil telefones da presidência naquele ano. Ele instituiu um padrão em voos, preservado por Dilma, com variedade de carnes (coelho assado, costeleta de cordeiro, rã, pato, picanha e peixe).
O café da manhã a bordo custa R$ 58,60; a bandeja de frutas, R$ 102; cada canapé de caviar sai a R$ 7; camarão ou salmão defumado, a R$ 4,60.
Em viagens ao exterior, Dilma prefere hotéis às residências oficiais nas embaixadas brasileiras. Em junho, passou três dias numa suíte do St. Regis, em Nova York, decorada por joalheiros da Tiffany.
Depois, passou um dia em São Francisco, Califórnia, no hotel Fairmont, cuja suíte principal tem um mapa estelar em folhas de ouro contra um céu de safira. O custo médio das diárias nos EUA foi de R$ 36 mil.
Para servi-la e à comitiva foram contratados 19 limusines, 15 motoristas, dois ônibus e um caminhão para transportar bagagens. Custou R$ 360 mil (o pagamento atrasou dois meses).
Em Atenas, na Grécia, em 2011, a presidente gastou R$ 244 mil numa “escala técnica" de 24 horas — mais de R$ 10 mil por hora.
José Casado, O Globo.
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