Ao mandar abrir 83 inquéritos contra deputados,
senadores, governadores e outros políticos, ministro do Supremo Tribunal
Federal destaca que Constituição 'prestigia o interesse público à
informação'
FOTO JF DIORIO /ESTADÃO
Ao mandar abrir 83 inquéritos contra deputados, senadores,
governadores e outros políticos citados na delação dos executivos da
Odebrecht, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo
Tribunal Federal, destacou que a Constituição ‘prestigia o interesse
público à informação’.
O
Estado teve acesso a despachos do ministro Fachin, assinados eletronicamente no dia 4 de abril.
A decisão de Fachin abre o conteúdo de 83 investigações, por ele
ordenadas, acolhendo pedido do procurador-geral da República Rodrigo
Janot.
A ‘lista de Fachin’ estava sob rigoroso sigilo, que ele derrubou – também a pedido de Janot.
“Percebe-se, nesse cenário, que a própria Constituição, em antecipado
juízo de ponderação iluminado pelos ideais democráticos e republicanos,
no campo dos atos jurisdicionais, prestigia o interesse público à
informação”, assinalou o ministro.
O relator da Lava Jato invocou os artigos 5.º e 93 da Constituição, ressalvando o ‘direito à intimidade do interessado’.
“Com relação ao pleito de levantamento do sigilo dos autos, anoto
que, como regra geral, a Constituição Federal veda a restrição à
publicidade dos atos processuais, ressalvada a hipótese em que a defesa
do interesse social e da intimidade exigir providência diversa, e desde
que ‘a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação’.”
Fachin pondera que ‘a exigência de motivação e de publicidade das
decisões judiciais integra o mesmo dispositivo constitucional, fato
decorrente de uma razão lógica’.
“Ambas as imposições, a um só tempo, propiciam o controle da
atividade jurisdicional tanto sob uma ótica endoprocessual (pelas partes
e outros interessados), quanto extraprocessual (pelo povo em nome de
quem o poder é exercido)”, assinala o ministro.
“Logo, o Estado-Juiz, devedor da prestação jurisdicional, ao aferir a
indispensabilidade, ou não, da restrição à publicidade, não pode se
afastar da eleição de diretrizes normativas vinculantes levadas a efeito
pelo legislador constitucional.”
O ministro abordou a Lei 12.850/2013, ao tratar da colaboração
premiada em investigações criminais – imposição de regime de sigilo ao
acordo e aos procedimentos correspondentes (artigo 7.º), ‘circunstância
que, em princípio, perdura, se for o caso, até o eventual recebimento da
denúncia’.
Adiante, ele observou. “Entretanto, referida sistemática deve ser
compreendida à luz das regras e princípios constitucionais, tendo como
lastro suas finalidades precípuas, quais sejam, a garantia do êxito das
investigações e a proteção à pessoa do colaborador e de seus próximos.”
Segue Fachin. “Não fosse isso, compete enfatizar que o mencionado
artigo 7.º, parágrafo 3.º, relaciona-se ao exercício do direito de
defesa, assegurando ao denunciado, após o recebimento da peça
acusatória, e com os meios e recursos inerentes ao contraditório, a
possibilidade de insurgir-se contra a denúncia.”
“Todavia, referido dispositivo que, como dito, tem a preservação da
ampla defesa como finalidade, não veda a implementação da publicidade em
momento processual anterior.”
O ministro invoca os termos do pedido de Janot para decidir. “No
caso, a manifestação do órgão acusador, destinatário da apuração para
fins de formação da opinio delicti, revela, desde logo, que não mais
subsistem, sob a ótica do sucesso da investigação, razões que determinem
a manutenção do regime restritivo da publicidade.”
“Em relação aos direitos do colaborador, as particularidades da
situação evidenciam que o contexto fático subjacente, notadamente o
envolvimento em delitos associados à gestão da coisa pública, atraem o
interesse público à informação e, portanto, desautorizam o afastamento
da norma constitucional que confere predileção à publicidade dos atos
processuais.”
Fachin cita seu antecessor na relatoria da Lava Jato na Corte máxima,
que abriu o sigilo em outras 14 investigações. “Com esse pensamento,
aliás, o saudoso ministro Teori Zavascki já determinou o levantamento do
sigilo em autos de colaborações premiadas em diversas oportunidades.”
O sigilo também caiu por decisão da Segunda Turma do Supremo, destaca
Fachin. “Na mesma linha, registro o julgamento, em 21 de fevereiro de
2017, do agravo regimental na Petição 6.138 – acórdão pendente de
publicação -, ocasião em que a Segunda Turma desta Corte, por
unanimidade, considerou legítimo o levantamento do sigilo de autos que
contavam com colaboração premiada, mesmo anteriormente ao recebimento da
denúncia.”
“No que toca à divulgação da imagem do colaborador, cumpre enfatizar
que a Lei 12.850/2013 determina que, sempre que possível, o registro das
respectivas declarações deve ser realizado por meio audiovisual”,
decidiu Fachin.
O ministro privilegiou a ‘regra geral da publicidade dos atos processuais’.
“Trata-se, como se vê, de regra legal que busca conferir maior
fidedignidade ao registro do ato processual e, nessa perspectiva,
corporifica o próprio meio de obtenção da prova”, ressaltou. “Em tese,
seria possível cogitar que o colaborador, durante a colheita de suas
declarações, por si ou por intermédio da defesa técnica que o acompanhou
no ato, expressasse insurgência contra tal proceder, todavia, na
hipótese concreta não se verifica, a tempo e modo, qualquer impugnação,
somente tardiamente veiculada.”
“Assim, considerando a falta de impugnação tempestiva e observada a
recomendação normativa quanto à formação do ato, a imagem do colaborador
não deve ser dissociada dos depoimentos colhidos, sob pena de
verdadeira desconstrução de ato processual perfeito e devidamente
homologado. Por fim, as informações próprias do acordo de colaboração,
como, por exemplo, tempo, forma de cumprimento de pena e multa, não
estão sendo reveladas, porque sequer juntadas aos autos. À luz dessas
considerações, tenho como pertinente o pedido para levantamento do
sigilo, em vista da regra geral da publicidade dos atos processuais.”
“Ante o exposto determino o levantamento do sigilo dos autos.”
Matéria Estadão: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/exclusivo-fachin-acaba-com-sigilo-das-delacoes-da-odebrecht/